Nos pais
“A vinda ao mundo de uma criança deficiente pode ser comparada à pedra que se lança na água. No princípio, é a grande agitação. Depois, lentamente, a agitação diminui e não ficam mais que pequenas ondas. Por fim, a superfície da água volta de novo à sua calma, mas a pedra, essa, continua bem lá no fundo…” (Ramos, 1987, p.334).
Quando um casal se prepara para a parentalidade há todo um conjunto de fantasias, desejos e construções que começa, de imediato, a projetar no filho que espera.
Alguns clichés como a resposta típica que os pais dão quando lhes perguntam se têm preferência pelo sexo do bebé que aí vem (“o que interessa é que venha com saúde”) sendo, de facto, clichés, espelham uma preocupação real e um desejo consciente de que as questões da integridade física e da funcionalidade intacta do filho sejam uma realidade.
Com a legalização da interrupção voluntária da gravidez é notório o decréscimo no nascimento de crianças com patologias congénitas, especialmente, as que se identificam em fase gestacional. No entanto, por opção dos pais ou sem conhecimento prévio dos mesmos continuam a nascer todos os anos milhares de bebés com deficiência.
Na verdade, todos os pais “grávidos” projetam, de forma mais ou menos consciente, uma criança imaginária. A criança imaginária não é mais que a construção que os progenitores fazem acerca da criança que irá nascer e que engloba, naturalmente, aspetos como a saúde, a perfeição física, a funcionalidade intacta bem como aspetos de natureza física (como a cor do cabelo, a estatura, a cor dos olhos, etc.) e psicológica (traços de personalidade, preferências, gostos, inteligência, etc.).
Nesta construção, os aspetos conscientes relacionam-se com o desejo dos progenitores relativamente ao filho que esperam e, consequente, a sua própria projeção no mesmo.
Nenhum pai, consciente ou não consciente dos riscos que corre ou do acaso, ainda que possa equacionar a possibilidade de ter um filho com “diversidade funcional” (ideia que tende a ” afastar” de forma supersticiosa e como estratégia de poupança emocional) deseja, de alguma forma, um filho com diversidade funcional.
Assim, quando confrontados com a notícia e com a evidência, muitos deles entram num incontornável processo de luto pela parentalidade “normalizada” e, principalmente, luto pelo filho idealizado, saudável e esperado.
O nascimento de um filho com deficiência constitui uma dura prova para os pais e uma ameaça às suas crenças e expetativas sobre o bebé que fantasiavam e idealizavam. Os pais enfrentam “a perda súbita do bebé idealizado e o aparecimento, igualmente súbito, de um bebé temido, ameaçador e que pode provocar sentimentos negativos” (Pimentel, 1997, pp. 131-132, cit. in Rolim & Canavarro, 2001, p. 268).
O choque inicial, que se desenvolve na tomada de consciência da situação, poderá debilitar e desencadear nos pais atitudes de desespero e de revolta, face ao trauma que uma conjuntura destas afigura. Este processo assemelha-se, em tudo, a um processo de luto real, uma vez que se sente como uma verdadeira morte do bebé idealizado e as fases do luto vivido são, também em tudo, análogas: choque, negação, tristeza, raiva, equilíbrio e reorganização. Estas fases podem variar em intensidade e duração, de pessoa para pessoa. Algumas pessoas podem, nomeadamente, ficar estagnadas em algum dos estádios descritos anteriormente, e não experienciar os restantes.
Este processo de luto do filho saudável/idealizado gera respostas emocionais específicas, que compreende várias manifestações. Podem ser afetivas (sentimentos e emoções como a tristeza, solidão, culpa ou raiva), comportamentais (agitação, fadiga, choro), cognitivas (baixa autoestima, falta de memória ou concentração) e fisiológicas (perda de apetite, insónias, queixas somáticas).
É sempre um processo duríssimo e angustiante.
Os pais, na presença de uma situação de malformação, necessitam de se adaptar à nova realidade. E a nova realidade, não sendo fácil, é possível de ser vivenciada da forma mais equilibrada possível. Cabe a todos os envolvidos- família, amigos, comunidade envolvente- comprometerem-se no ao apoio a esta nova família “diferente”, mas, ainda assim, tão igual a todas as outras.
É que neste caso, mais do que nunca, “it takes a village to raise a child”.
Neste momento e enquanto pai/ mãe, é natural que se sinta pressionado para “saber tudo, já!”, o que o leva a desenvolver esforços significativos neste sentido, para melhor conseguir lidar e se adaptar à condição do seu filho.
Ainda assim, não deve descurar as suas próprias necessidades e negligenciar o seu bem-estar.
Lembre-se que devemos cuidar em primeiro lugar de nós mesmos, para podermos ser bons cuidadores de outra pessoa. Uma correcta alimentação, o relaxamento, o sono e o repouso, as actividades de auto – recriação e lazer são importantes para o bem – estar físico e psicológico de todo o indivíduo; a desvalorização da sua importância pode constituir um risco para a saúde.
Nos irmãos
Embora a vida dos irmãos mais velhos seja frequentemente enriquecida pela experiência de crescer com um irmão ou irmã com Spina Bífida e /ou Hidrocefalia, eles também enfrentam alguns desafios únicos.
O nível de compreensão dos mais velhos, sobre a condição de saúde do irmão ou irmã aumenta durante a infância e à medida que o bebé cresce e se desenvolve. Os pais podem apoiar os filhos mais velhos, comunicando abertamente com eles e dando-lhes uma oportunidade de fazer perguntas que ajudem a compreender as suas experiências e atribuir-lhes um significado.
Os irmãos mais velhos tornam-se mais tarde ajudas preciosas para os pais, até nos cuidados prestados aos mais novos. Fomentar esta relação e vinculação fraterna é muito importante mas é também de igual importância não deixar de reconhecer aos irmãos mais velhos a sua individualidade e assegurar o seu lugar no seio da família, resistindo à possível tendência de os parentificar face ao irmão ou irmã com deficiência.
Uma criança com Spina Bífida e /ou Hidrocefalia exige dos pais grande atenção e tempo, pelo que é vital não negligenciar a relação com os restantes filhos fazendo – os sentir que importam e são precisos em cada momento da vida dos pais.
Aos pais:
Apresentamos-lhe aqui alguns itens para os quais deverá estar desperto e que pretendem ajudá-lo a ser capaz de dedicar o tempo necessário a cuidar de si, bem como alguns conselhos sobre a melhor forma de o fazer.
1. Planeamento para atender às suas necessidades
Pode parecer uma tarefa impossível, mas tente adquirir o hábito de despender de algum tempo para si mesmo todos os dias, mesmo que seja apenas 20 minutos. É muito importante para garantir o seu bem-estar. Não se sinta culpado por este tempo – é exclusivamente destinado a si.
Elabore um plano e faça consigo mesmo um acordo para cumpri-lo. Ou, se isso o ajudar, opte por falar a alguém sobre o seu plano, tentando ganhar o seu apoio e colaboração no sentido de o concretizar. Pense em amigos e familiares que possam ajudá-lo a beneficiar desse tempo e se encarreguem de alguma actividade que deixe pendente por isso.
Fazer das suas necessidades uma prioridade, principalmente nesta altura particularmente difícil da sua vida pode necessitar de um pouco de prática, mais ainda se você não está acostumado a fazê-lo à partida, mas se for capaz de implementar o que sugerimos, é um começo.
2. Cansaço
Cuidar de um bebé com Spina Bífida e / ou Hidrocefalia pode ser um processo cansativo para os pais. A constante preocupação aliada aos transtornos emocionais e as exigências físicas pode resultar em exaustão.
Comer bem e tentar dormir o máximo possível, até mesmo 30 minutos durante o dia pode ser o suficiente para o ajudar a diminuir os efeitos do cansaço diário. Cada pessoa tem as suas próprias estratégias de “Coping”, isto é, de enfrentar os obstáculos e as situações física ou emocionalmente desgastantes. Aprenda a reconhecer as suas próprias estratégias. Para algumas pessoas, adiar para o dia seguinte o que não é absolutamente necessário fazer, pode ser um mecanismo redutor de Stress. Por outro lado, manter-se ocupado pode ser a sua forma de enfrentar, lidar com a situação.
Ainda assim, o fundamental passa por conseguir “re-energizar-se” a cada dia, e pode, para isso, contar com a ajuda de familiares e amigos. Assegure-se que cumpre as horas adequadas de sono e esteja atento a alterações no seu padrão habitual, poderá ser importante comunicá-las a um profissional de saúde. Em alternativa, pode tentar aprender algumas técnicas de relaxamento que o ajudarão a minimizar o stress e assim contribuir como agente facilitador do seu descanso e repouso.
3. Aconselhamento
Muitos pais resistem à ideia de receber aconselhamento ou acompanhamento psicológico. Por vezes esta renitência pode estar associada a um sentimento de que devem ser capazes de lidar por si próprios com esta situação ou porque acreditam que o apoio prestado pelo cônjuge, família ou amigos deve ser o suficiente. Por outro lado, os pais também podem sentir que têm o dever de ser quem apazigua os restantes membros da família e lhes dá força, sendo por essa razão forçados a demonstrar uma força interior que muitas vezes não sentem. Este sentimento de obrigação acaba muitas vezes por mascarar sentimentos de impotência e angústia sentidos pelos pais, que têm dificuldade em explorar ou expressar o que estão a vivenciar dentro de si.
Neste sentido, o aconselhamento pode constituir para os pais um refúgio, e uma porta de saída para todas as emoções negativas, preocupações e dúvidas, e sentimentos desconfortáveis que tendem a guardar só para si no dia-a-dia.
Pode proporcionar um local seguro para explorar alguns dos seus sentimentos sobre as mudanças e o impacto que o nascimento do seu filho trouxe para as suas vidas. Esta ajuda profissional pode também auxiliar os pais a gerir o stress, comunicar, fortalecer o seu relacionamento enquanto casal e proteger o seu sentido de união e identidade familiar.
4. Aceitar ofertas para ajudar
Quando os amigos ou familiares lhe perguntarem se há alguma coisa que eles podem fazer para ajudar, diga que sim.
Elaborar uma pequena lista de tarefas que outras pessoas podem desempenhar para o ajudar, pode ser útil. Isto pode incluir coisas tão simples como cozinhar o jantar, passar a ferro algumas peças de roupa, cuidar de um dos seus filhos por um período de tempo, entregar um livro na biblioteca ou um DVD no clube de vídeo… o que necessitar. Lembre-se que quem lhe quer bem tem gosto em poder ajudar e querem sentir-se úteis ao fazer alguma coisa por si e pela sua família. Valorize estes recursos e não deixe de tirar partido deles.
5. Reflexão
Alguns pais acham útil manter um diário. Um diário pode dar-lhes um lugar para expressar todos os seus sentimentos e reflectir sobre seu dia. Outros, acham que a meditação ajuda a manter a serenidade e a coerência e lhes dá uma abertura para um mundo diferente da realidade do seu dia-a-dia. A meditação também pode ensinar aos pais os benefícios de se distanciar ou abstrair da situação complexa que vivem com o seu filho, permitindo-lhes recuar um pouco e ser capazes de aproveitar alguma paz de espírito e sentimento de bem-estar interior.
6. Auto-afirmação
Enquanto pai/mãe, você está a desempenhar um incrível esforço e a desenvolver um trabalho notável no acompanhamento do seu filho. Lembre-se disso! Lembre-se de reconhecer as suas melhores capacidades, os seus pontos fortes presentes. Saiba que ser pai/ mãe é só por si uma tarefa de magnífica dificuldade e que você é merecedor de grande reconhecimento por ser pai/mãe de uma criança portadora de Spina Bífida e/ou Hidrocefalia, com todas as dificuldades acrescidas que isso acarreta. Permita-se desfrutar do sentimento positivo que é ser elogiado e reconhecido pelos seus familiares e amigos e acredite nas suas palavras de apreço e consideração por si.
7. Compartilhe os seus sentimentos
Tente dar alguma abertura às pessoas de confiança na sua vida para que saibam como você se sente e o que pensa. Inclua-os e dê–lhe significado, ao informá-los sobre as suas dificuldades, frustrações e dúvidas, bem como dos acontecimentos do seu dia. Ao abrir-se com outras pessoas de forma a expressar os seus sentimentos, você está também está a permitir que outras pessoas se envolvam na sua vida e dá-lhes assim a oportunidade de serem recursos importantes e valiosos para si. Podem ainda ser uma porta de entrada para a compreensão, conforto e apoio sempre desejáveis ao longo da nossa vida, e com ênfase nas alturas mais difíceis.
8. Passe tempo de qualidade com o cônjuge
Caso compartilhe a parentalidade do seu filho com o(a) seu(sua) parceiro(a), esforce-se por despender de algum tempo para fazer coisas enquanto casal. Passar tempo a sós com o seu parceiro pode dar uma oportunidade aos dois de voltarem a dar sentido ao “nós” que existia antes do nascimento do(s) vosso(s) filho(s) e a reaprenderem o “nós” que existe atualmente e que necessitou de ser ajustado. Uma relação harmoniosa entre o casal, fundamentada num princípio de pertença, identificação e segurança é um fator fundamental para ajudar a ultrapassar um evento de vida inesperado e adverso, principalmente quando tal se relaciona com aspetos da vida de um filho, que inevitavelmente concerne e é da responsabilidade de ambos. Esta harmonia conjugal vai conduzir à harmonia familiar e, em última instância, beneficiar todos os membros, com especial ênfase no benefício do vosso bebé.